Bernardine Evaristo por Stuartd Simpson, fevereiro de 2020
um romance queer focado em mulheres
que a gente começa a ler e não consegue parar
que conta as histórias de doze mulheres
em versos livres – fusion fiction, como define a autora
em uma construção engenhosa que imbrica essas existências
começando e terminando no National Theatre, em Londres
na época do Brexit
onde está em cartaz
A última amazona do reino de Daomé
peça da Amma, uma das personagens
essa é a indicação de hoje
Garota, mulher, outras da Bernardine Evaristo
na tradução de Camila von Holdefer (Cia das Letras, 2020)
o livro traz uma dedicatória que abre caminhos:
“Para as irmãs & manas & minas & monas
& as mulheres & mulherxs & mulherões & a mulherada toda
& nossos manos & chegados & parças & bróders
& nossos homens & caras & pessoas LGBTQI+
da família humana”
abre caminhos nossos
e abre caminho para as doze vozes de personagens
mulheres negras nascidas no Reino Unido
que contam suas histórias
cada uma com seu próprio tom, seu ponto de vista
doze infâncias, doze idades adultas
particularizadas e mostradas em toda a sua complexidade
e no mínimo doze momentos em que cada uma delas sente-se
deslocada
hostilizada, invisível
othered
por causa da cor da pele
ou por ser mulher
ou por descobrir-se não-binária – é o caso de Megan/Morgan
ou pela classe social
ou pela orientação sexual
este é um livro sobre diásporas
sobre doze mulheres da diáspora africana
o que cada uma delas é e vive, o que cada uma foi e viveu
na complexidade das dúvidas, das escolhas, dos silêncios
do que se enxerga claramente
do que não se enxerga claramente
por tantas razões
Carole, por exemplo
banqueira bem-sucedida
foi uma garota da classe trabalhadora
filha de imigrantes nigerianos
Hattie é a proprietária de uma fazenda na Nortúmbria
(região situada no norte da Inglaterra)
que pertence à sua família há 200 anos
ela é uma senhora de 93 anos
Amma e Dominique são do meio teatral
feministas, lésbicas, ativistas em algum momento
mulheres mais velhas
mulheres mais novas
o jeito de pensar no jeito de falar e ver o mundo
e por aí vai
são pessoas que eu nunca vi representadas na literatura desse jeito
dá para ouvir a voz de cada uma delas
“We are pretty invisible in fiction”, diz Evaristo numa entrevista
concedida logo depois de ganhar o Book Prizer de 2019
ela é a primeira mulher negra a ganhar esse prêmio literário
Aqui está um trecho do capítulo sobre Carole, quando ela chega na universidade onde vai estudar e morar também, e é atingida em cheio pelo sentimento de alteridade:
Garota, mulher, outras de Bernardine Evaristo
tradução de Camila von Holdefer, Cia das Letras, 2020, p. 147-148.
Ana Cláudia Romano Ribeiro escreve, pesquisa, desenha, dá aula, performa. Tudo queer.
Publicou o livro de poemas Ave, semente (Editacuja, 2021), a tradução com introdução e notas da utopia francesa A terra austral conhecida (1676) de Gabriel de Foigny (editora da Unicamp, 2011) e coeditou a revista Morus – Utopia e Renascimento. Atualmente está no prelo sua tradução com introdução e notas da Utopia (1516) de Thomas More (editora da UFPR). Traduziu também os aforismos poéticos Poteaux d’angles (Pilares de canto), de Henri Michaux, e, em projeto coletivo, a peça de teatro Le bleu de l’île (O azul da ilha), de Évelyne Trouillot. Ilustrou A princesa que conseguiu virar moça comum e As cinco Franciscas de Deise Abreu Pacheco (inéditos).
A #poesiaqueer faz parte de nosso projeto de curadorias temáticas, onde convidamos escritoras(es), tradutoras(es) e pesquisadoras(es), para indicar e refletir sobre questões do fazer literário em nossos dias. Confira outras das iniciativas em nosso blog!
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