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Encerramento da Primavera Pretapalavra, por Oluwa Seyi

Atualizado: 2 de jul.



Salve, salve, pessoal! Aqui endereço meu último "salve, salve” deste conjunto primaveril de textos. Há nove meses, no início da primavera, começávamos esta jornada florida, e agora, há poucos dias da chegada do inverno, podemos dá-la por concluída. Ou melhor, estabelecida. A natureza, tão sábia em seus ciclos, sempre traz as estações de volta, e vocês sempre poderão regressar a estes textos, reencontrar Alma, Eduarda, Zainne, Lara e eu e rememorar tudo aquilo que escolhemos mencionar sobre nossa relação com a escrita. Nada disso se perde enquanto alguém decidir nos ler mais uma vez e repisar o caminho que trilhamos até

aqui.


Hoje, seguindo o hábito bonito que construímos, convido a mim mesma para a roda. Quero compartilhar com vocês quem tem povoado minha estante de livros e iluminado minha inspiração. Nomear pés, mãos, olhos e vozes que me ensinaram e ainda ensinam a dizer o mundo. As poetas em suas obras que tive o prazer de prefaciar ou posfaciar são apenas algumas das muitas mulheres negras escritoras que carrego na barra da minha saia. Para mim, contemplar essa saia tão abarrotada de encantadoras de palavras, que me precedem, ladeiam ou vem depois de mim em idade, tempo de produção ou quantidade de obras no mundo, é a materialização de sonhos ancestrais absurdos, quase irrealizáveis. São muitas, plurais, heterogêneas. E esse fato, sem sombra de dúvidas, auxilia em mantê-las incontornáveis. Incontornáveis também porque, para além de suas presenças no mundo e no meio literário e intelectual, essas mulheres nos marcam profundamente com suas intervenções na realidade. Todas as escritoras que trago aqui me marcaram profundamente e, ouso dizer, modificaram definitivamente a minha realidade.


Carolina Maria de Jesus, que li pela primeira vez durante a graduação em Letras na Universidade de São Paulo, me ensinou que escrever precisava ser inegociável para quem deseja fazê-lo. Noémia de Sousa, a primeira mulher africana que li em minha vida, me ensinou que a mudança social também se faz com literatura. Maria Firmina dos Reis, que também conheci durante o bacharelado, me ensinou que nossa humanidade não pode ser esquecida mesmo em momentos de sofrimento. Conceição Evaristo, que foi a autora que me acompanhou durante a dissertação de mestrado, me ensinou que a vida negra é digna de uma abordagem afetiva na literatura. Ana Maria Gonçalves, que li por conta própria anos atrás, me ensinou que nossas histórias, enquanto povo, jamais morrerão. Lívia Natália, que li e leio com frequência por ser uma das poetas que estudo no doutorado, me ensinou que a poesia sabe receber tudo aquilo que somos no mundo. Toni Morrison, que leio neste exato momento, me ensinou que a excelência literária cabe perfeitamente às mulheres negras.


Cidinha da Silva, Cristiane Sobral, Elisa Lucinda, Elizandra Souza, Luz Ribeiro, Miriam Alves, Ryane Leão, Tatiana Nascimento e tantas outras mulheres negras que vivem de escrever e escrevem para viver me ensinaram que somos partículas encarnadas das divindades. As mãos dessas mulheres criam e nomeiam universos inteiros. Em prosa, em verso, na brevidade ou na profusão: os livros que elas partejam notabilizam nossa passagem pela Terra e recordam a humanidade do poder gerador da palavra. Isso quem me ensinou foi a #pretapalavra.


Como eu disse antes, elas são muitas, plurais, heterogêneas. Somos. E tenho certeza que enquanto escrevo este texto, mais de nós brotaram (ou tomaram consciência de já terem brotado). Assim foi comigo: muito antes de me dizer escritora, eu já o era. Mas finalmente dizer é assumir consigo mesma o compromisso de não permitir que ninguém desdiga. Essa forma de estar no mundo é transformadora. Desejo que essa transformação alcance e abrace outras meninas mulheres senhoras negras. Que a escrita seja e vá sendo, para várias de nós, o colo, a espada, o espelho, o lampião, o trilho, a vara de pescar, até o próprio peixe. Esse lugar nos cabe e nos merece. Flori-lo com a nossa palavra é nosso direito. Novamente, incontornável.


Dedico este texto, carinhosamente, a toda e qualquer autora de pretas palavras.






Oluwa Seyi é curadora no projeto PRETAPALAVRA, uma iniciativa da Capivara em parceria com Maria Carolina Casati, para divulgar e amplificar as vozes de escritoras negras.



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Oluwa Seyi nasceu em São Paulo, na década de 90. É poeta, pesquisasora, critica literária e percussionista. Possui graduação e mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo, e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado também em Letras, na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, pela mesma instituição de ensino. Seus interesses de pesquisa são a produção artística de mulheres negras e a representação da experiência afrorreligiosa nas artes. Autora do livro de poesia O que há de autêntico em uma mãe inventada (Ed. Urutau, 2022), do zine estudo poético do corpo (2021, edição independente) e da plaquete digital Poemas que atravesssam meu corpo negro & fêmeo (2024, edição independente) . Tem poemas, contos e artigos publicados em revistas e antologias literárias e acadêmicas de diversos estados do país, como Cartas para Esperança (Ed. Malê, 2022) e Cadernos Negros 44 e 45 (Ed. Quilombhoje, 2022/2024). Além da escrita literária, interessa-se em tradução de poesia e escrita para áudio-visual. Atualmente é integrante do Sarau das pretas, coletivo artístico-literário gestado por mulheres negras. Escreve desde que se recorda e não consegue imaginar a si mesma longe do lugar de produtora, apreciadora e crítica de literatura.












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