Nuvilíneas de Lara de Paula na Primavera Pretapalavra, por Oluwa Seyi
- Gustavo Marcasse
- 10 de mai.
- 5 min de leitura
Salve, Salve, pessoal! Como sempre, grande honra começar mais um texto e, com ele, abrir um portal. Toda escrita suficientemente emocional tem esse poder. E esta, que já ensaia a minha despedida do nosso #Pretapalavra, não poderia ser diferente. Chegando na reta final desse processo bonito e engrandecedor de curadoria, acho justo remontar a um início: meu primeiro prefácio escrito.
Hoje, trago na barra da minha saia uma das escritoras que mais motivou e motiva minha produção. E a recíproca é sensivelmente verdadeira. A literatura presenteia-me, de maneira constante, com muita coisa encantadora. Livros que me ensinam novos acessos para mim e para o mundo; escritoras e escritores que traduzem sentimentos que eu não tinha repertório e vocabulário para nomear; movimentos e trabalhos coletivos que nutrem em mim a fé no que a humanidade é capaz de imaginar e corporificar… Difícil até ser precisa enquanto falo sobre esse
edifício material, simbólico e afetivo que a literatura tem construído para e em mim. A artista sobre a qual escrevo agora é parte fundamental nisso.
Conheci Lara de Paula graças à escrita. Pela e na literatura, nos encontramos, nos conectamos e temos caminhado lado a lado. Já tínhamos sido, até início de 2021, vizinhas de página (como gosto de dizer) em duas coletâneas, e participado de um processo formativo da FLUP (Festa Literária das Periferias), mas foi durante um curso de escrita criativa online e intimista que nos aproximamos de fato. As "coincidências” que até então nos cercavam ganharam outros nomes e novos significados: eram as primeiras pedras que utilizamos para construir nossa amizade.
Poucos meses depois dessa fundação inusitada, Lara pediu que eu escrevesse o prefácio de seu primeiro livro, Nuvilíneas (Alecrim Edições, 2021), um conjunto iluminado de prosas poéticas. Eu, mesmo nunca tendo produzido um prefácio antes, não recusaria. Como escrevi então, o convite àquela escrita “deleitou o intelecto da crítica literária que sou, mas foi o coração da poeta, maior parte de mim, que o aceitou”. Aceitou e bateu feliz por ter sido eleito.
Não há uma ciência que fundamente a escolha de um nome para a produção dos paratextos de um livro, no entanto, há vários caminhos possíveis. Há quem prefira pessoas influentes que, por cederem seu tempo e suas palavras à obra, estimulam o público leitor a adquirir e ler o livro; há também quem opte por um crítico literário específico, que entende mais profundamente uma ou outra questão tocada na obra e, a partir de seu texto, fornece chaves de interpretação mais interessantes; por fim, há quem só escolha a quem simplesmente gosta, a quem sabe que lerá com dedicação e vontade, e talvez entenda aquele detalhe que só alguns olhos podem captar: creio que Lara me escolheu por este último motivo. O mesmo motivo que me fez escolhê-la também para prefaciar meu livro primogênito. Trocamos prefácio como quem troca cartas esmeradas depois de uma leitura tão esmerada quanto. E isso, posso afirmar, nem toda pessoa influente e nem todo crítico literário interessa-se em realizar.
Mergulhar em Nuvilíneas foi singular. Uma mistura original de crônicas, poemas e autorreflexões plantados e colhidos durante o afastamento social ocasionado pela pandemia. Tudo tão à flor da pele e, ao mesmo tempo, meticuloso. Também sensível e volátil, como o título da obra deixa entrever. São nuvens em linhas, linhas de nuvens, água no seu estado menos compreensível e que, no entanto, vemos acima de nós quase todos os dias de nossas vidas. Assim como essas nuvens, somos carregadas pela força e pela sutileza das palavras ventiladas por Lara.
Nascida em Sete Lagoas e residente de Belo Horizonte (MG), Lara é arqueóloga, poeta, colagista, dançarina e intermediária de vários outras formas de arte. Nesse seu primeiro livro solo publicado junto a uma editora, falou muito de si e de sua experiência com a solitude e a solidão, mas também falou de muitas e muitos de nós. O que vivemos enquanto gênero humano escancarou desigualdades e também nos lembrou de como somos feitos da mesmíssima substância, frágil e fugaz. Ler o trabalho de Lara, naquele momento, recobrou-me o sentido do fôlego e oxigenou horas estáticas. A literatura presenteia-me, de maneira constante, com muita coisa encantadora, e poder me inflar de poesia em dias tão pesados com certeza é parte desse encanto.
Bendigo seu primeiro livro, seus zines, sua HQ Por um fio (Editora Kitembo, 2021) e tudo o que Lara ainda vier a escrever. Que outros caminhos, coincidentemente ou não, permitam que caminhemos juntas e que possamos, como nesses últimos anos, nos ler mutuamente e festejar juntas cada conquista, As mãos que escolhemos para entrelaçar com nossos dedos atestam sobre nós. São elas que auxiliam na decolagem e amparam na queda. E eu não poderia estar mais feliz
com quem escolhi e me escolheu para a aventura. Marcaram-me e eu as marquei de volta, invariavelmente.
Quase quatro anos depois, alegra-me ter sido parte desse momento importante para Lara, esse voo individual, esse desabrochar literário. Alegra-me da mesma forma poder celebrar a chegada de outra primavera de Lara, que colhe, neste maio, o trigésimo girassol de sua vida. Desejo que este texto chegue à tão boa amiga (e melhor ainda artista) como vários dos outros textos que já trocamos até hoje: uma carta amorosa que se imprime no tempo e no espaço que nos acolheu e
nos aproximou.
Que cada leitora e leitor desse nosso #Pretapalavra receba o convite para conhecer a relação bonita que Lara desenvolve com a literatura (e com tantas outras artes que ela produz) e também para ler sobre suas inspirações. No nosso próximo encontro, é Lara quem nos escreve e traz as mais belas flores amarelas de seu jardim para nos ofertar e embelezar esse nosso espaço negro e feminino. Obrigada,
Lara, seja muito bem-vinda e sinta-se em casa!

Oluwa Seyi nasceu em São Paulo, na década de 90. É poeta, pesquisasora, critica literária e percussionista. Possui graduação e mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo, e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado também em Letras, na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, pela mesma instituição de ensino. Seus interesses de pesquisa são a produção artística de mulheres negras e a representação da experiência afrorreligiosa nas artes. Autora do livro de poesia O que há de autêntico em uma mãe inventada (Ed. Urutau, 2022), do zine estudo poético do corpo (2021, edição independente) e da plaquete digital Poemas que atravesssam meu corpo negro & fêmeo (2024, edição independente) . Tem poemas, contos e artigos publicados em revistas e antologias literárias e acadêmicas de diversos estados do país, como Cartas para Esperança (Ed. Malê, 2022) e Cadernos Negros 44 e 45 (Ed. Quilombhoje, 2022/2024). Além da escrita literária, interessa-se em tradução de poesia e escrita para áudio-visual. Atualmente é integrante do Sarau das pretas, coletivo artístico-literário gestado por mulheres negras. Escreve desde que se recorda e não consegue imaginar a si mesma longe do lugar de produtora, apreciadora e crítica de literatura.

Comments