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A Preguiçalândia, de Hans Sachs - Tradução&poesia por Matheus Guménin Barreto


O segundo texto que trago como curador da #tradução&poesia é “A Preguiçalândia” (“Das Schlauraffen Landt”), de Hans Sachs. Sigo a grafia da época ao digitar o poema. Hans Sachs (1494-1576) foi sapateiro, poeta e dramaturgo de língua alemã bastante associado a gêneros literários quase desaparecidos atualmente (como Schwank, Fastnachtsspiel e Meisterlied). Tornou-se Mestre Cantor e Mestre Sapateiro na cidade de Nuremberg. É uma das mais célebres figuras literárias do século XVI europeu.



O poema “Das Schlauraffen Landt” (1530) tem 108 versos e parte de um argumento que atravessou séculos, línguas e culturas: a ideia de uma terra da abundância infinita, da comida e da bebida inacabáveis, da não necessidade de trabalho, da não necessidade de esforço. O paraíso adâmico bíblico, a Canaã que mana leite e mel, a Cocaigne, a Cocanha – todas essas são narrativas que, em maior ou menor medida, formam o Schlauraffen Landt (ou, na grafia alemã atual, Schlaraffenland). O poema de Sachs apresenta uma terra onde as casas são feitas de doces (e podem ser comidas), onde frangos assados voam e podem ser pegos com um simples esticar de braço, onde o leite flui, onde a pessoa mais preguiçosa de toda a terra é precisamente aquela que se torna rei ou rainha.


Falando rapidamente em termos mais técnicos, o poema “Das Schlauraffen Landt” foi escrito em um gênero poético e em uma estrutura métrica que basicamente não existem em português: ele é um Schwank (poema narrativo de fundo cômico cujos versos são rimados em pares [AABBCCDDEE e assim por diante] e relativamente curto se comparado a outros gêneros narrativos em versos, como o da poesia épica) e foi escrito com uma estrutura métrica chamada ‘Knittelvers estrito’ (versos rimados em pares com um número fixo de sílabas totais por verso [oito sílabas no total quando o verso termina em palavra oxítona, nove sílabas quando termina em paroxítona], porém sem nenhuma posição fixa para as sílabas fortes). Normalmente há quatro sílabas fortes (sem posição fixa) por verso, mas esse número não é obrigatório.



É importante notar, no entanto, que no poema cristão (protestante) de Sachs essa terra de abundância não é vista com bons olhos (“Narram isso tudo os antigos, / narram aos jovens como aviso, / desejando que os preguiçosos, / indolentes, tontos, gulosos, / depois de ouvir sobre essa terra / tentem levar vida mais séria, / trabalhem duro – estar à toa / não trouxe nunca coisa boa”). Será que estar à toa realmente nunca trouxe coisa boa? Tenho minhas dúvidas.










MATHEUS GUMÉNIN BARRETO é poeta e tradutor mato-grossense. É autor dos livros de poemas A máquina de carregar nadas (7Letras, 2017), Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (Carlini & Caniato, 2018), Mesmo que seja noite (Corsário-Satã, 2020) e História natural da febre (Corsário-Satã, 2022). Doutorando da USP, da Universidade de Leipzig e da Universidade de Salzburg na área de Língua e Literatura Alemãs – subárea tradução –, estudou também na Universidade de Heidelberg. Teve poemas seus traduzidos para o inglês, o espanhol, o alemão, o catalão e o italiano; e publicados em revistas ou antologias no Brasil, na Espanha, no México, em Portugal e nos EUA. Integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 (França e Bélgica – Universidade Sorbonne) e a Giornata mondiale della poesia 2022 (Itália – Universidade de Roma). Publicou em periódicos ou em livros traduções de Bertolt Brecht, Ingeborg Bachmann, Johannes Bobrowski, Nelly Sachs, Paul Celan, Peter Waterhouse, Rainer Maria Rilke e outros.










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