O material reunido nesta página foi indicado pelo poeta Ismar Tirelli Neto, durante sua curadoria da #poesiahomoerotica, uma das curadorias temáticas que acontece aqui n'A Capivara.
Palavra tem sexo? Pensando nessa questão e em outras que tais, iniciamos nossa série #poesiahomoerotica. Com isso, prentendemos divulgar poetas & poetas de todos os gêneros, geografias e afinidades que tenham em comum cantar "o amor que não ousa dizer o seu nome", como diria Oscar Wilde.
Sandro Penna
Nascido a 1906, em Perugia. Falecido em Roma, a 1977. Consta. Este não morre tão cedo. Largo e legível, ainda que sempre sucinto, Penna menos escreve que centelha, chama de isqueiro e "fogo de astros". Lírico a um só tempo alentado e desalentado pelo viço de redor; o viço dos corpos; o viço dos corpos masculinos. Inequivocamente masculinos. Costuma-se chegar nele por Pasolini, que o admirava. Parece ter vivido com muito, muito pouco; pouco que se faz desarmadoramente presente nos poemas. Selecionamos, para abrir esta pequena curadoria, um poema que nos foi crucial em momentos de grande aridez; esperamos que levem (a peito) e circulem entre os necessitados, que há muitos.
Simone Brantes
E tem Simone Brantes. A sorte de tê-la trabalhando entre nós. Trabalhando, pondo para trabalhar alguns vocábulos lindos, embora criminosamente mal utilizados no contexto da lírica pátria, caso de “marulhar” no poema que selecionamos.
É incrível a ginástica a que Brantes está submetendo o marulhar em “As Moças”. Este “os líquidos / de uma na outra”. A sugestão de concha na colcha, calço tão sutil do marulhar.
Seu “Quase todas as noites” arrepanhou o Jabuti em 2017, categoria Melhor Poesia. Conto como vitória para nosso campo, sem sombra de dúvida. E agora, para o lambuzo de todos, o memorabilíssimo –
Harold Norse
Harold Norse (EUA, 1916 – 2009) é um nome que pede maior circulação. Entre as bichas mais inambíguas do balaio beatnik, costuma-se atentar mais no Allen Ginsberg. O Norse surge aqui e acolá nos rodapés – vida pitoresca, viagens e amigos célebres -, mas sua frequentação em antologias parece circunscrita a um – altamente antologizável – poema: "I am not a man". Como este é relativamente fácil de encontrar traduzido na Internet, oferecemos ao leitor uma versão do espirituoso e espevitado "Loner", extraído ao volume "Carnivore Saint: Gay Poems 1941-1976", livro reputado pelo curador como um dos “objetos de força” de sua casa.
Pat Parker
Pat Parker (1944 – 1989) é uma autora que comecei a ler há pouco. São poemas de amplo denudamento. Isto, um denudar-se amplo, é um denudar com muita gente, um condenudar. Penso aqui nas formulações de Deleuze e Guattari acerca das "literaturas menores". Nelas, tudo seria político; o exíguo do espaço literário determinando o vínculo indissolúvel entre caso individual e discurso comunal. Parker coloca sua diferença - mulher, lésbica, negra - e o faz, me parece, como comunidade. Para esta postagem, oferecemos uma versão Herbert Richard de um seu poema chamado “Reputation”. A ideia da História como construto patriarcal, narrativa dominante, vai explicitada no HIS grafado em maiúscula. ELESTÓRIA. Não sei se estão a par, mas dia desses foi dia internacional do sapateado.
Horácio Costa
Abro meu exemplar de "A Hora e a Vez de Candy Darling". Releio a dedicatória: "Como é bom ser tua Barbra Streisand". O caso: logo após uma leitura no Rio fui tietar o Horácio, monumento à sombra do qual todos nós mamamos nossos pirulitos, e esganicei: "Você é a nossa Streisand, quando você canta as pessoas calam a boca". Isto só se adensa com os anos. Poemas como "Julieu e Romito" ("Ravenalas"), "Dados Novos Na Paisagem" e "História do Brasil" me parecem contribuições decisivas para a tapeçaria textual do desejo que diverge, situadíssimo, e talvez por isso de uma largueza de escopo galáctica. Outro golpe de sorte, tê-lo entre nós.
Ana Cláudia Romano Ribeiro
Encerro meu bico curatorial aqui no perfil d'A Capivara com recomendação das mais enfáticas: o trabalho de Ana Cláudia Romano Ribeiro e a pessoa de Ana Cláudia Romano Ribeiro. Um e outro nunca deixam de me surpreender, e me põem num entusiasmo que só consigo exprimir gesticulando feroz. Que esta nota seja lida como chafariz de mãos e cuca arregalada. O que o texto de Ana provoca em mim é uma alegria física. São poucos os poetas que conheço que aliançam de maneira tão amiga disciplina, erudição e um senso de aventura em meio às coisas terrenas que me parece indestrutível. Sim, é uma alegria terrena que ela põe em mim, uma alegria descalça e entre as coisas. Eu quero os olhos e as mãos da Ana Romano sobre tudo. Dela, temos a imensa sorte de compartilhar hoje o inédito "A moça do quartinho", com votos de que tenhamos todos um ano dela, um ano Ana.
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