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a poeta de sábado: 3 poemas de Jacinta Passos


Jacinta Passos foi uma escritora nascida em Cruz das Almas, Bahia, em 1914. Autora de quatro livros de poemas, seus trabalhos foram elogiados por críticos renomados como Antônio Cândido, Mário de Andrade e Aníbal Machado. Seu livro mais comentado, "Canção da Partida", foi ilustrado por Lasar Segall. 




Além de sua produção literária, Jacinta foi uma jornalista ativa na Bahia na década de 40, abordando temas como política, transformações sociais e a posição da mulher na sociedade. Como membro do Partido Comunista Brasileiro, dedicou-se à luta por um Brasil mais justo. 


Apesar de enfrentar crises nervosas periódicas e ter sido diagnosticada com esquizofrenia paranoide, nunca deixou de escrever. Sua obra poética, inspirada nas tradições populares da Bahia, apresenta fortes componentes líricos e apelo contemporâneo. Jacinta faleceu em 1973, aos 57 anos, após uma vida marcada por militância política e uma intensa produção literária.






Diálogo na sombra


– Que dissestes, meu bem?

– Esse gosto.

Donde será que ele vem?

Corpo mortal.

Águas marinhas.

Virá da morte ou do sal?

Esses dois que moram no fundo e no fim.

– De quem falas, amor, do mar ou de mim?


Jacinta Passos, em "Canção da partida". Edições Gaveta, 1945.




Canção atual


Plantei meus pés foi aqui

amor, neste chão.


Não quero a rosa do tempo

aberta

nem o cavalo de nuvem

não quero

as tranças de Julieta.


Este chão já comeu coisa

tanta que eu mesma nem sei,

bicho

pedra

lixo

lume

muita cabeça de rei.


Muita cidade madura

e muito livro da lei.

Quanto deus caiu do céu

tanto riso neste chão,

fala de servo calado

pisado

soluço de multidão.


Coisas de nome trocado

– fome e guerra, amor e medo –


Tanta dor de solidão.


Muito segredo guardado

aqui dentro deste chão.


Coisa até que ninguém viu

ai! tanta ruminação

quanto sangue derramado

vai crescendo deste chão.


Não quero a sina de Deus

nem a que trago na mão.


Plantei meus pés foi aqui

amor, neste chão.


Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.




Canção do amor livre


Se me quiseres amar

não despe somente a roupa.


Eu digo: também a crosta

feita de escamas de pedra

e limo dentro de ti,

pelo sangue recebida

tecida

de medo e ganância má.

Ar de pântano diário

nos pulmões.

Raiz de gestos legais

e limbo do homem só

numa ilha.


Eu digo: também a crosta

essa que a classe gerou

vil, tirânica, escamenta.


Se me quiseres amar.


Agora teu corpo é fruto.

Peixe e pássaro, cabelos

de fogo e cobre. Madeira

e água deslizante, fuga

ai rija

cintura de potro bravo.

Teu corpo.


Relâmpago depois repouso

sem memória, noturno.


Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.










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